17 outubro 2011

2 ou 3 coisas

>>> O todo e as partes, por Amy Taubin (The Criterion Collection)
>>> Sujeito/objecto, por Hunter Vaughan (The Film Journal)
>>> 2 ou 3 Coisas sobre Ela em DVD (DVD Beaver)
>>> Cinema & utopia (2006), exposição no Centro Pompidou (+ uma visita).
>>> Jean-Luc Godard (biografia, filmes, etc.) no site do Centro Pompidou.

16 outubro 2011

Uma imagem, duas imagens

João Lopes
a. Confrontar imagens pode ser uma boa pedagogia – é mesmo um princípio de acção e reflexão da modernidade. Não para decretar a "vitória" de uma imagem e a "derrota" de outra. Antes para sentirmos como cada uma delas atrai ou rejeita outra.

b. Por exemplo, em cima, uma imagem da série Morangos com Açúcar. Em baixo: uma imagem do filme de João Canijo, Sangue do Meu Sangue. Ou como o naturalismo televisivo (luz, ruído, telejornal) é totalmente estranho ao realismo cinematográfico (cor, textura, pele) – figuras de cera e corpos vivos.

c. Dito de outro modo: um dos grandes desafios (estéticos e de produção) do cinema em Portugal passa pelo sistemático questionamento da formatação televisiva.

No intervalo das imagens (e dos sons)

João Lopes
Que acontece quando se liga uma imagem com outra imagem? Duas imagens... e também a "soma" dessas duas imagens, como se nascesse um terceiro termo. E um som com outro som? Talvez um novo som, feito da conjugação dos dois. Uma coisa é certa: a relação de sincrónica entre uma imagem e um som é uma convenção ou, se preferirem, um código.
Para Peter Greenaway, há muito que o sincronismo é um código que pode ser transfigurado ou pervertido. Mais precisamente: o cinema não tem de contar histórias em que os sons "confirmam" as imagens (mesmo se tal dispositivo deu origem a muitas e muitas maravilhas). Intervals (1973), uma das suas primeiras curtas-metragens, é a divertida ilustração desse processo de transformação: uma viagem sincopada por cenários de Veneza, contando a história da sua própria deambulação por uma cidade labiríntica, sem centro.

15 outubro 2011

Fragmento I: «A Modernidade não é [mesmo] linear.»


MONET, Claude. Gare Saint LazareParis1877.
Óleo sobre tela. Musée d'Orsay, Paris, France.

Manuel Guerra
Parece evidente a ideia de que a História (do Cinema) não pode ser vista de forma linear ou numa qualquer lógica de progresso, tanto no seu interior, como na sua transdisciplinaridade e relação com outras formas de criação.

Mas se a este respeito ainda restam dúvidas, recordemos um exemplo: em 1863, o autor d’As Flores do Mal (1857), Charles Baudelaire (1821-1867), escreve O pintor da vida moderna. Não se tratando da primeira aparição do termo “moderno”, o poeta, que encarnou o “espírito do tempo”, ousava utilizar de forma pioneira, e a respeito da arte e da vida, esta expressão. A obra, que surgiu publicada em três partes em Le Figaro, e que versa sobre algumas das figuras e transformações do século XIX, ficaria ainda e fortemente marcada pelo seu questionamento à missão contemporânea da arte e, essencialmente, pela sua génese “fragmentária” [pequenos retalhos/ apontamentos do dia-a-dia que associados formam uma unidade, “algo” caótica, e sem uma tentação centralizadora; afinal de contas: «A árvore fala mais da floresta do que a floresta fala de si (...)» (SILVA, Paulo Cunha, 2000)]. Tamanha insurreição, face à literatura instituída, influenciaria, no campo da Poesia, uma série de outros génios, nomeadamente, em Portugal, Cesário Verde (1855-1886).

Cem anos mais tarde (anos 50/60), e também influenciados por um contexto de grande crescimento e desenvolvimento económico, um conjunto de cineastas adquire consciência e “reivindica” um espaço autónomo e distinto para a Sétima Arte, agora encarada como um “objecto a perceber” (contrariando o tratamento clássico da “imagem-acção”). Num “novo regime cristalino” que, segundo Gilles Deleuze, pressupõe “situações ópticas e sonoras puras”, e que daria início àquilo que também designamos como a Modernidade (mas, desta vez, a da arte cinematográfica), uma das várias palavras de ordem seria, igualmente, a fragmentação – o que surge de uma certa ideia de experimentação. Não é por acaso, por exemplo, que as narrativas se tornam abertas e cheias de espaços que deixam de ser euclidianos e surgem filmes como O Último Ano em Marienbad (1961). Na concepção de Pasolini este conjunto de filmes tornava-se mais próximo do “dialecto” e de um novo dicionário de imagens – o da “poesia”.

Porém, se quisermos, a semelhança entre estes dois casos não se esgota numa ideia de fragmentação ou poesia. Ambos comungam ainda da exploração de um olhar atento e profundo (ponto de vista), num Mundo em constante devir e transformação (a este propósito, recordemos a figura do flâneur). Por outras palavras, repete-se a ideia clara de integração da relação do criador no Mundo, e do Mundo na vida do criador, o que recorda a frase de um conhecedor exímio de Baudelaire e autor, curiosamente, d’A Modernidade, Walter Benjamin (cit. por Grünnewald, 1969: 84): «O que caracteriza o cinema não é apenas o modo pelo qual o homem se apresenta ao aparelho, é também a maneira pela qual, graças a êsse aparelho, êle representa para si o mundo que o rodeia.»

09 outubro 2011

1937

RENÉ MAGRITTE
A Reprodução Interdita
1937
João Lopes
Ser espectador, o que é?
Ou ainda: de que falamos quando falamos da minha imagem?
Magritte pintou este quadro em 1937 – dois anos depois de Alfred Hitchcock ter filmado Os 39 Degraus, quatro anos antes de Orson Welles ter estreado o seu Citizen Kane. 1937 é ainda, por exemplo, o ano da primeira longa-metragem de desenhos animados: Branca de Neve e os Sete Anões. É também em 1937 que é publicado o romance de Virginia Woolf, The Years.

"Cultura" e "arte"




João Lopes
Ver/ler/pensar uma imagem (um sistema de imagens, um sistema de imagens e sons, etc.) nunca é contemplar passivamente uma realidade unívoca. A vida não é um telejornal. Je Vous Salue, Sarajevo (1993), evocação dramática e brevíssima (2 minutos) de uma fotografia da guerra da Bósnia, nasce dessa consciência plural.
No limite, olhar a imagem, aquela imagem (uma fotografia de Ron Haviv), relança-nos no turbilhão que nasce das relações que o texto evoca – entre a regra (a "cultura") e a excepção (a "arte"). Inevitavelmente, tais relações envolvem o próprio espectador, a singularidade do seu olhar e a hipótese de desafiar a normalização corrente do cinema.


* Jean-Luc Godard.

A modernidade existe?


João Lopes
Será que é mesmo verdade? Será que tudo começou em Citizen Kane/O Mundo a seus Pés (1941), quando Orson Welles sussurrou Rosebud, desencadeando a história de Charles Foster Kane?
Uma coisa é certa: ver Kane nessa data terá sido um acontecimento ímpar – o cinema, por mais fascinante que fosse (e era!), vivia noutros registos narrativos e visuais. Abrindo o espaço com as suas grandes angulares, contaminando o tempo com os mais inusitados ziguezagues narrativos, Welles propunha uma nova síntese dos recursos técnicos e narrativos do cinema, desse modo propondo ao espectador um novo contrato na sua relação com o ecrã. Afinal de contas, ninguém sabe tudo... O que significa a palavra "rosebud"? E que adianta conhecê-la?

* Trabalhando com Orson Welles, por Gregg Toland.