07 novembro 2011

The Hobbit - Uma nova maneira de contar histórias?


"People who have seen "The Hobbit" in 48 frames per second often say that it is like the back of the cinema has had a hole cut out of it where the screen is and you are actually looking at the real world. Once you had stereo and that gives you that extra ability to control depth you can device ways in which it can become part of the story telling of the film" - Peter Jackson

Miguel Cravo 
A projecção esteoroscópica de filmes não é algo completamente novo na História do Cinema - existe, pelo menos, desde os anos 50. O que me chama, verdadeiramente, a atenção é a união de diversas e quase improváveis técnicas de captação e controlo da imagem, que pretendem provocar um efeito mais realista do que a própria realidade. Para além, da imagem estereoscópica, o filme está a ser filmado em digital 5K (um dos formatos digitais com mais definição e tamanho), e - como se não bastasse - a captação e reprodução do filme será a 48 fps, isto é, o dobro da velocidade padrão em todo o cinema ocidental contemporâneo. O realismo sempre foi uma questão muito discutida no cinema, principalmente, no cinema narrativo; mas sempre houve uma, quase imperativa, tendência do espectador de assumir e aceitar, independentemente da qualidade da imagem, um filme projectado numa tela como um modo de aceder a uma determinada realidade.
Então, o que será esta sensação de tela recortada que liga a sala de cinema, directamente, a um mundo real - como num aquário?

É muito interessante também pensar que a estas "novas" opções técnicas exigem também das produções, novas formas de trabalho e constituição de novas hierarquias nas equipas conceptuais e de rodagem. Por exemplo, surge na produção deste filme um novo técnico especializado, que tem um contacto directo com o trabalho da câmara: o estereógrafo - nesta produção existem, pelo menos, três. A estereóscopia poderá igualmente trazer algumas complicações, ou pelo menos algumas questões, na forma como são utilizadas algumas técnicas, nomeadamente de perspectiva - por exemplo, a forced perspective, uma técnica utilizada em todos os filmes do Senhor dos Anéis, que consiste em colocar um actor mais distante (em profundidade) do outro e jogar com a posição da câmara (monocular!), para que, no plano este se pareça, fisicamente, mais pequeno que a personagem ao seu "lado". A opção de estereoscopia exige também a duplicação do número de câmaras e respectivos acessórios - 48 Red Epic, ao todo - o que acabou por ser determinante na opção estética, financeira e logística de se filmar em digital - note-se que os três filmes da série "The Lord of the Ring" foram filmados, por completo, em película Kodak. Para Peter Jackson, um dos pontos mais cruciais da utilização destas técnicas foi o seu impacto na forma como se filma - tudo se alterou para que nada mudasse. Foram desenhados novos equipamentos, novas gruas, novos suportes, novos sistemas de steadycam... note-se a curiosidade: a única coisa que falta nos armazéns de maquinaria de um filme de Peter Jackson, são os tripés - o realizador sempre os rejeitou, desde da sua primeira obra "Bad Taste" (1987), e valoriza, por contrapartida, a movimentação livre e espontânea na horizontal e na vertical, permitindo que, apesar de toda a complexidade técnica, a relação da câmara com o operador seja quase antropomórfica.

Mas afinal, o que é tudo isto? Para que serve?
Serão as novas técnicas e tecnologias ainda capazes de acrescentar novidades significativas, de inovar e de alterar a maneira de nós, criadores, contarmos as nossas histórias?

06 novembro 2011

A transdisciplinaridade

Manuel Guerra 
Exemplos da utilização da “profundidade de campo” na Pintura, na Fotografia e no Cinema, em diferentes épocas, e que revelam, uma vez mais, a transdisciplinaridade entre vários campos artísticos. Não deixa de ser bastante interessante, nenhum dos seus autores ter procurado designações e estereótipos como “pintura experimental”, “fotografia experimental” ou “cinema experimental”, para empreender traços de profunda criatividade e experimentalismo.


[Diego Velazquez]


[Thomas Struth]


[Orson Welles]

O que é isto de "experimental"?

Miguel Cravo
Gostava de contribuir para esta nossa partilha de ideias, não com um pequeno estudo de conceitos técnicos e filosóficos, mas com uma tentativa de responder a uma simples e pragmática questão, com a qual me tenho debatido: afinal, o que é isto de cinema experimental? E faço-o, do ponto de vista de um mero curioso, de um espectador. Gostava de começar esta reflexão, após o visionamento destes dois exemplos:

Exemplo 1: Thinking Of, Miguel Cravo, 2010
Exemplo 2: Glitch Telemetry, Maria Niro, 2010


Depois deste visionamento, talvez consiga, através das seguintes questões, compreender melhor o que os diferencia: O que percebo deste filme? O que me chega e de que modo chega? E, talvez, o mais importante, o porquê de ele reagir comigo?

Falo do primeiro exemplo com um perfeito à vontade, uma vez, que sou o autor do mesmo. Um conjunto de imagens, sem ligação, sem narrativa, sem intenções; unidos por uma componente musical que determina o ritmo dos cortes e dá corpo à montagem, dando uma certa ideia de unidade conceptual. Descrevo-o como uma experiência, ou, experimentalista. Contudo, na prática, não passa de um teste de capacidade ao meu novo equipamento técnico; um teste de cores, definição, perspectivas e formas. É verdade, que uma qualquer sequência de imagens e sons, provoca sempre uma qualquer reacção a quem estiver assistindo. Na minha opinião, no entanto, este exemplo não tem intenção de ser cinema, nem experimental. Provoca uma opinião de aceitação ou de desaprovação, mas nada de íntimo nem de, profundamente, individual.

No segundo filme, sou mergulhado num confuso confronto de imagens e ligações, uma complexa desordem que me toca, e não sei bem explicar porquê. Poderia referir-me às ideias de juventude, de fascinação e de sonho, presentes num estilo de hipnotismo e surrealismo. Mas há algo mais. O que existe neste pequeno pedaço de cinema que me toca tão profundamente? Escrevo este texto, algumas horas após o ter visionado (propositadamente), e consigo identificar com precisão, o momento que mais me marcou: a imagem de umas mãos a desfiarem um novelo – aparentemente, sem fim – de cabelos. Encontrei uma espécie de punctum, utilizando a linguagem de Roland Barthes, na (des)estrutura desta obra, contudo, não sei explicar o que nela existe de tão especial e de tão íntimo, a ponto de se imortalizar na minha cabeça – note-se que apenas surgiu uma vez. Talvez seja uma espécie de sensação viva, indefinida, que me permite quase tactear e sentir cada áspero cabelo, que se separa, tão misteriosamente e se individualiza. O que me permite chegar a este tactear, a esta sensação tão material, tão bruta e tão concreta?

Será experimentalismo o mesmo que experimental? Responderei, sem pensar muito e num acto pouco reflectido e, possivelmente, errante, que o primeiro parece-me ser uma experiência de teste, e o segundo uma experiência sensível. Ambos experimentam, mas  aquilo que experimentam é, integralmente, diferente. Se estiver correcto, este pensamento irreflectido, permite-me concluir que (cinema) experimental não pode nascer de um conceito de experiência – isto é, lato sensu, de teste. Penso que “experimental” é algo próximo de “sensação” – experimentar novas sensações, e não apenas, experimentar novas técnicas. Poderei, assim, afirmar que um filme experimental, por oposição ao cinema narrativo, vive muito mais da capacidade de provocar sensações no espectador, do que das intenções do seu autor?

Por exemplo, o cinema de Tarkovsky, é altamente provocante e capaz de trazer ao de cima diversas sensações. Será, no entanto, este “sensível”, o mesmo que nos chega nas cinematografias experimentais como as de Godard, Greenaway ou até mesmo desta jovem autora Maria Niro? Muitos podem pegar este tema de diferentes maneiras; partilho convosco a minha. Não, para mim este sensível dos autores experimentais é bastante diferente do de Tarkovsky. Os filmes de Tarkovsky são, marcadamente, caracterizados pelo seu carácter metafísico, o retrato da vida através do sonho e das memórias, um cinema do tempo e do visual, de uma unidade provocada pelo simbolismo e pelo drama. Deste modo, o sensível chega-nos pela posição e relação do espectador com esse simbolismo, com essa segunda dimensão presente em cada plano e entre eles, que nos transporta, inevitavelmente, para uma viagem de busca de sensações interiores, que preencham o sentido que o autor nos quer fazer passar. Talvez esteja errado, mas não penso que seja isto o tal “experimental”. Tarkovsky tem uma ideia muito precisa dos sentimentos que quer provocar e a sua intelectualidade está na concretização dessas ideias através das imagens. Em cima, escrevi que cinema “experimental” era algo que nos levava a experimentar sensações – reconheço agora que não fui preciso. O que diferencia o cinema sensível de Tarkovsky do de Godard, é a forma. “Experimental” é, na verdade, experimentar novas sensações através da forma.

Mas então, o que torna “2 ou 3 choses que je sais d'elle” de Jean-Luc Godard, de 1967, uma obra, tendencialmente, mais experimentalista do que o Concerto para Violino e Orquestra nº1 de Nikolai Roslavets, de 1925? Provavelmente, esta é uma falsa questão e arrisco que, talvez, nada os diferencie, apesar de serem, objectivamente, diferentes no seu enquadramento técnico, artístico e histórico. Ambos usam a colagem de pedaços improváveis, heterogéneos, sem ligação – os planos e os sons em Godard e as notas e instrumentos em Roslavets – que geram no espectador uma sensação, através de um conjunto de fragmentos individualistas, numa provocante e irritante sequência, ordenada em desordem. As imagens e as notas perdem o seu valor habitual e tornam-se material pitoresco e bruto capaz de nos fazer desistir de compreender o seu conteúdo narrativo e simbólico, e efervescem sensações indefinidas e genuínas, únicas, puras e diferentes em cada indivíduo.

Será o realizador experimental, um metteur en scène de técnicas formais, que permitam o espectador entrar num qualquer tipo de relação inesperada com o material projectado e que provoca nele sensações/ memórias/ irritações/ gostos ou desagrados?
Em qualquer criação artística, existem duas experiências: a do criador e a do observador. Por outras palavras, um filme é construído por um autor e vivido por um espectador. Mas se a minha ideia anterior se verificar, será o realizador de um filme experimental o verdadeiro autor dessas relações sensíveis e, puramente, individuais do espectador que reage à obra per se? Outra questão: Será mesmo possível chamar de “experimental”, um filme com o qual não se cria qualquer tipo de relação directa ou indirecta, intelectual ou sensível – apesar das intenções experimentais e sensíveis do seu autor?